terça-feira, 13 de novembro de 2007

Novos tempos, velhos hábitos

Lauda com a Ferrari, em 1976: contra Enzo, uma prévia de Alonso vs Ron Dennis

Por Otto Jenkel

Semana passada, foi anunciada oficialmente a saída de Fernando Alonso da McLaren. O espanhol rompeu seu contrato de dois anos com a equipe inglesa, do qual cumpriu apenas um, fato extremamente raro com campeões mundiais, mas não totalmente inédito.

O caso anterior aconteceu em 1956, com Juan Manuel Fangio, na Ferrari. O argentino já havia trocado de equipe várias vezes. Passou dois anos na Alfa Romeo, em 1950 e 1951, sendo campeão neste último ano. Com a retirada da equipe italiana da F1, transferiu-se para a Maserati em 1952, onde ficou até 1954. No meio dessa temporada, foi para a Mercedes Benz e acabou campeão, estabelecendo um feito inédito e jamais igualado : ser campeão com dois carros diferentes no mesmo ano.

O título de 1954 seria repetido em 1955 com a Mercedes. Mas a marca alemã se retiraria de todas as competições automobilísticas após um acidente nas 24 horas de Le Mans de 1955, no qual um carro esporte de sua equipe, pilotado pelo francês Pierre Levegh, voou sobre o público, matando 83 espectadores. Foi o maior acidente da história de todas as competições de automóvel até os dias de hoje.

A retirada da Mercedes em 1955 levou Fangio à Ferrari em 1956. Mas seria um ano complicado. Enzo Ferrari sempre acreditou que quem vencia corridas eram os seus carros, não importava pilotados por quem. Fangio estava longe de ser um piloto qualquer, e não aceitou ser colocado em segundo plano. De fato, os pilotos da Scuderia da época, Eugênio Castellotti, Luigi Musso, Alfonso de Portago e Peter Collins, embora bons, estavam longe de ser excepcionais. Fangio destoava, e terminou o ano conquistando o quarto de seus cinco títulos. Mas o mau relacionamento com Enzo e vários diretores da Ferrari o fizeram abandonar a equipe com apenas um ano de permanência.

A tensão costumava fervilhar em Maranello. Dizia-se que apenas os pilotos que encontraram a morte nas pistas à bordo de uma Ferrari não se desentenderam com o velho Enzo, porque não houve tempo. Exagero ou não, o tabu fazia certo sentido, principalmente se pensarmos nos pilotos que foram campeões mundiais pela Ferrari na época em que Enzo dava as ordens.

Dois morreram prematuramente: Alberto Ascari, bicampeão em 1952/53, que faleceu em um acidente em Monza em 1955, e Mike Hawthorn, morto num acidente rodoviário em 1959, poucos meses depois de ter conquistado o título de 1958. Fora esses dois, todos os outros campeões saíram brigados com Enzo: Fangio, Phil Hill, John Surtees e Niki Lauda. A única exceção foi Jody Scheckter, que foi campeão em 1979, e se retirou das pistas no ano seguinte.

O caso mais interessante foi o de Lauda. Campeão em 1975, quebrando um jejum de títulos da Ferrari que vinha desde 1964, o austríaco liderava o campeonato de 1976 com boa vantagem sobre James Hunt, da McLaren, quando sofreu um grave acidente no GP da Alemanha. Depois de ter ficado dias em estado de coma, e ter para sempre seu rosto desfigurado com as graves queimaduras que sofreu, Lauda se recuperou a ponto de voltar às pistas no GP da Itália, apenas um mês depois, obtendo um bom 4º lugar.

Quando chegou ao GP do Japão, última prova da temporada, Lauda ainda tinha três pontos de vantagem sobre Hunt. Na hora da largada, um verdadeiro dilúvio desabava sobre a pista. O austríaco não teve dúvidas, deu apenas uma volta e abandonou, alegando que a pista não oferecia a menor condição de segurança. Hunt acabou chegando em 3º, ganhando o título com um ponto de vantagem sobre Lauda.

Enzo e a imprensa italiana não o perdoaram. "Covardia" foi o comentário geral. Pouco importava que o austríaco houvesse escapado da morte poucos meses antes. Para a Ferrari, qualquer piloto que entrasse naqueles carros vermelhos deveria se entregar ao máximo. Morrer, se preciso. Lauda agüentou quieto. Sua vingança não tardaria.

No ano seguinte, apesar do clima tenso entre ele e a cúpula ferrarista, Lauda conquistaria facilmente o seu 2º título Mundial, por ocasião do GP dos EUA, quando restavam ainda duas provas para o fim do campeonato. Mas o austríaco nem quis esperar, simplesmente abandonou a equipe e nem as disputou. Sua vingança chegara e o velho Enzo confessou-se traído.

Após o título de 1977, a Ferrari ganharia com Jody Scheckter em 1979 e depois entraria em um longo jejum sem títulos, até o ano 2000, quando Michael Schumacher venceria o primeiro de seus cinco títulos consecutivos pela equipe vermelha. Enzo Ferrari morreu bem antes, em 1988, aos 90 anos. Seus métodos de relacionamento conturbado com os pilotos podem parecer, hoje, antiquados. Mas a julgar pelo que aconteceu esse ano entre Ron Dennis e Fernando Alonso, nem tanto.

Otto Jenkel trabalhou no FOCA TV, cobrindo o GP do Brasil, quando a prova era disputada no Rio. Acompanha Fórmula 1 desde meados da década de 70, "quando a F1 era perigosa e o sexo seguro, hoje inverteu". Escreve sobre Fórmula 1 às segundas-feiras.

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