sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Pobreza e riqueza

Peça da coleção de Marcelo Monteiro: cartão de identidade de Juvenal na Copa de 50

Por Marcelo Monteiro

Nos últimos dias, alguns fãs do futebol - inclusive este escriba - ficaram chocados com dois fatos divulgados pela imprensa nacional: o estado de abandono em que se encontra o ex-zagueiro Juvenal, titular da seleção brasileira na Copa de 50, e a decisão do “patriota” Zagallo de vender no exterior peças históricas do futebol brasileiro.

A triste situação enfrentada por Juvenal, vivendo quase preso a uma cama de um casebre em péssimo estado no interior da Bahia, com problemas de saúde e contando apenas com a boa vontade de vizinhos que também sobrevivem com dificuldades, é algo revoltante. Revoltante por saber que a Confederação Brasileira de Futebol não se interessa por quem já defendeu o país, por saber que o Palmeiras, que fez festa para comemorar a suposta decisão da Fifa de considerar a Copa Rio de 1951 como título mundial, não sabia - ou fez pouco caso - da situação vivida por um dos titulares do time que deu ao clube a sua maior glória.

Considerado um dos vilões da derrota para o Uruguai na final de 50 - junto com Barbosa e Bigode -, Juvenal, após deixar o futebol, sempre procurou evitar o contato com jornalistas. Algo compreensível. O assunto das conversas quase sempre era um só: tentar explicar algo inexplicável, a derrota no Maracanã em 16 de julho de 1950.

Não defendo que CBF e clubes tenham que sustentar todos os jogadores que representaram suas cores. Mas estas instituições deveriam se preocupar com o destino daqueles que um dia foram alvo de muitos tapinhas nas costas por parte de cartolas. Em 2001, o Palmeiras fez festa para lembrar os 50 anos da conquista. Levou Juvenal e outros ex-jogadores para uma comemoração em São Paulo. E depois...

Enquanto um zagueiro com passagens pelo Flamengo, Palmeiras, Bahia e titular do Brasil na final de uma Copa do Mundo vive na miséria, outro ex-titular da seleção brasileira colocou mais uns bons trocados no bolso. Zagallo sempre foi questionado por grande parte da imprensa: para muitos, não foi um grande jogador - teve sorte por Pepe se machucar pouco antes das Copas de 58 e 62 e, assim, figurar na foto dos dois títulos mundiais. Como treinador, sempre foi questionado: ganhou a Copa de 70. Mas também com aquele time? Seria ultrapassado, mais sortudo do que competente.

Sempre tive um respeito pelo Velho Lobo. Nas vezes em que estive diante dele em entrevistas, sempre me tratou bem. Fora seus inimigos, sempre foi cortês com os jornalistas. Mas o único tetracampeão mundial caiu muito em meu conceito ao saber que algumas das relíquias que cultivou na longa carreira esportiva seriam vendidas em um leilão na Christie's. Mas logo ele, que sempre defendeu a amarelinha como segunda pele, iria se desfazer de amarelinhas como a que usou na final de 62 e a que Pelé lhe presenteou no intervalo da decisão de 70? E mais a azulzinha que vestiu na final de 58?

Qual o argumento para isso? Nenhum plausível. Se há algo que Zagallo não pode reclamar é de sua situação financeira. Vive confortavelmente em um dos mais conhecidos condomínios da Barra da Tijuca (lembra da casa em que vive Juvenal? Pois é. Nada a ver). Fruto de anos de trabalho muito bem remunerado no Oriente Médio, onde recebeu alguns milhares (milhões quem sabe) de petrodólares, e na CBF, onde também era muito bem pago.

Para colocar o Velho Lobo nessa triste situação entrou em cena o filho Mário César, que se apresenta como empresário de jogadores e ficou conhecido pela patética cena de choro em uma entrevista de TV, defendendo seu pai das críticas de jornalistas e torcedores na época da Copa de 98. E teoricamente o herdeiro da coleção de relíquias esportivas do país (camisas e chuteiras). Filho mais velho do ex-treinador, Paulo Zagallo, em entrevista a Thiago Dias (GloboEsporte.com), se manifestou contra a venda da camisa de Pelé no primeiro tempo da final de 1970, que teria sido um pedido dele ao pai.

Indagado sobre a razão de comercializar no exterior artigos tão caros ao futebol brasileiro, Mário César foi insensível ao dizer que "se os clubes brasileiros não conseguem segurar os jogadores, eu também não consigo segurar estes itens". Por qual razão não consegue segurar? Está passando fome? Precisa do dinheiro para uma cirurgia de emergência? Para fazer um curso? Em se tratando de um dos herdeiros de Zagallo, difícil acreditar em questão de necessidade.

A empáfia do 'Zagalinho' virou revolta dias depois com os valores alcançados pelas peças, bem abaixo da expectativa. O valor arrecadado foi de R$ 480 mil. Se descontar a taxa da casa de leilões (em torno de 20% em leilões nacionais) e impostos, o que o filho do Velho Lobo vai embolsar deve cair pela metade. Ou o equivalente ao que o pai ganhava em um, dois meses trabalhando como assistente-técnico de Carlos Alberto Parreira. Trabalho cuja parte do tempo usava para aumentar sua coleção de camisas. Lembra da cena ridícula do veterano tentando passar uma camisa da seleção (não usada) para um jogador croata e sendo solenemente ignorado?

Zagallo tem lugar reservado no panteão dos grandes nomes do futebol mundial. Mas sua biografia ficará manchada pela decisão - influenciada pelos maus conselhos do filho - de vender sem razão compreensível peças que deveriam permanecer no Brasil, apesar do descaso de dirigentes e governantes em relação à memória esportiva do país. Descaso que também atinge jogadores que, por inúmeras razões, não conseguiram vencer uma Copa do Mundo (talvez por não contarem com Pelé e/ou Garrincha ao lado) e acumular a fortuna de outros mais sortudos. E que hoje não tem mais o que leiloar.

Marcelo Monteiro trabalhou por nove anos
em sites das Organizações Globo. Hoje, empresta seus conhecimentos à Textual Assessoria.
Escreve no Por Esporte às quartas-feiras.

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