segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Uma liderança sob risco (parte 2)

Rubens Barrichello assumiu legado sem ter cacife para bancar (foto: autosport)

Por Otto Jenkel

Ao fim da temporada de 2007, o Brasil atingiu um incômodo jejum de 16 anos sem um título na Fórmula 1. Quando Ayrton Senna alcançou seu terceiro Mundial, em 1991, o país estava soberano na principal categoria do automobilismo mundial. Era o oitavo título contra cinco da Argentina, Escócia e Inglaterra.

Mesmo ainda líder, o Brasil tem agora a Inglaterra e a Alemanha no "vácuo" com sete títulos. Com um detalhe. O país germânico não tinha nenhum título até 1994, ano em que começou a Era Schumacher, que só terminaria em 2004. Em um intervalo de 11 anos, somente em quatro o alemão não venceu. Um assombro.

O Brasil também assombrou o mundo quando conquistou oito títulos em 20 anos, entre 1972 e 1991. Mas, ao contrário da Era Alemã de um só piloto, o país produziu três gênios, que somaram juntos um número de títulos ainda inalcançável. Nosso primeiro fora-de-série, Emerson Fittipaldi, foi quem ensinou o caminho das pedras para os demais pilotos brasileiros que chegariam à F1 a partir daí. Até 1970, ano em que ele estreou na F1, a história do Brasil na categoria praticamente não existia.

A categoria máxima estava no seu 21º ano de existência e apenas quatro pilotos brasileiros haviam passado por ela: Chico Landi, Gino Bianco, Hernando da Silva Ramos e Fritz D'Orey. Todos nos anos 50. Na década seguinte, nenhum. O melhor resultado tinha sido um quarto lugar obtido por Landi no GP da Argentina de 1956, com um Maserati. Landi era, aliás, o maior piloto brasileiro até então, mas suas glórias tinham ocorrido na década de 40, quando a F1 ainda não existia.

Para o Brasil, a F1 começou a existir de verdade quando Emerson Fittipaldi alinhou seu Lotus Ford para o GP da Inglaterra de 1970. O "Rato" tinha sido campeão da F3 inglesa em 1969 e fez escola. A partir daí, passou a ser quase obrigação das promessas brasileiras no automobilismo desembarcarem na Inglaterra para ser campeões na F3 inglesa, e ingressarem depois na F1.

A saga de Emerson foi fulminante. Estreou na Inglaterra, chegou em quarto na sua segunda corrida na Alemanha, e venceu na sua quarta, nos EUA. Esta vitória permitiu que seu companheiro de equipe na Lotus, o austríaco Jochen Rindt, fosse o campeão póstumo, já que ele havia morrido um mês antes, nos treinos para o GP da Itália, em Monza. Em poucos meses, Emerson havia vivido todo tipo de emoções na F1. E era apenas o começo.

Em 1971, a Lotus teve um ano ruim, sem vitórias. No ano seguinte, porém, Emerson daria ao Brasil seu primeiro título na F1. Na sequência, um vice-campeonato em 1973, o bi mundial em 1974 e mais um vice em 1975, esses dois últimos com um McLaren Ford. Depois começou o calvário com a sua mudança para a Copersucar, em 1976. Foram cinco sofridos anos, nos quais a melhor colocação foi um 2º lugar no GP do Brasil em 1978, no Rio.

Mas Emerson havia implantado os alicerces que serviriam de base para a chegada dos demais brasileiros na F1. Na década de 70, uma série de pilotos brasileiros estrearam na categoria: José Carlos Pace, Wilson Fittipaldi Jr., Ingo Hoffman, Alex Dias Ribeiro e Nélson Piquet. Môco, como Pace era conhecido, parecia ser o substituto de Emerson. Rápido, corajoso ao extremo, muitos temiam que ele não sobrevivesse ao risco que era dirigir um F1 naquela época. À F1 ele sobreviveu, mas não a um acidente de avião em 1977. Uma única vitória, no GP Brasil de 1975, não fez jus ao talento de Môco.

A morte de Pace abriu, de certa forma, uma vaga na Brabham para Nélson Piquet em 1978. Bernie Ecclestone, o chefe de equipe, viu nele o talento de um futuro campeão, quando Nélson venceu a F3 inglesa neste mesmo ano. O contratou por três temporadas. Se Môco estivesse vivo, Bernie dificilmente teria dois pilotos brasileiros na equipe. Piquet, assim como Emerson, teve uma ascensão meteórica. Foi vice em 1980, campeão em 1981 e 1983. Depois se mudou para a Williams, sendo tri em 1987.

Piquet trouxe junto uma nova geração de pilotos brasileiros na década de 80: Chico Serra, Raul Boesel, Roberto Moreno, Ayrton Senna e Maurício Gugelmin. Senna trilhou o mesmo caminho de Emerson e Nélson: campeão da F3 inglesa e rumo às glórias na F1. O Brasil vivia sua melhor fase. Depois do tri de Piquet, viriam mais três títulos de Senna em quatro anos. Depois da morte deste no GP de San Marino de 1994, o país se sentiu órfão, e até hoje não se recuperou, não tendo, na verdade, um piloto capaz de substituir um de nossos campeões.

Desde a década de 90 até hoje, foram várias as tentativas da busca do novo "Messias". Um total de 11 pilotos brasileiros chegaram à F1: Christian Fittipaldi, Rubens Barrichello, Pedro Paulo Diniz, Ricardo Rosset, Tarso Marques, Ricardo Zonta, Luciano Burti, Enrique Bernoldi, Felipe Massa, Cristiano da Matta e Antônio Pizzonia. Os cinco últimos nesse novo milênio.

A quantidade de pilotos foi a mesma da década de 70 e 80. A qualidade não. Alguns acreditam que a morte abrupta de Senna não permitiu que houvesse uma transferência natural da saída do antigo para o novo campeão como foi o caso de Emerson para Piquet, e deste para Senna. Tese discutível a meu ver. O que faltou foi um piloto de tamanho quilate, só isso.

O piloto mais talentoso da geração dos anos 90, Rubens Barrichello, resolveu assumir esse legado sem ter capacidade para tal. Suas reclamações eternas de que era prejudicado pela Ferrari chegavam a ser cômicas. Até hoje, ele parece acreditar que era melhor que Schumacher. O pior é que tinha eco em boa parte da imprensa brasileira, que lhe dava razão, sabe-se lá com que interesses. Mas foi tudo em vão. "Frustrado", "chorão", são palavras que estão definitivamente vinculadas a sua imagem para o público brasileiro. Não há como mudar.

E Felipe Massa? Será ele o novo "messias"? Em dois anos de Ferrari, já fez mais do que Barrichello no mesmo período. Foram cinco vitórias contra apenas uma de Rubens. Massa não é de reclamar da equipe e nem busca desculpas pelos seus erros. Parecia que seria batido facilmente por seu companheiro, Kimi Raikkonen, no início do ano. Mas surpreendeu. Até a metade da temporada foi superior. A partir de julho, a situação se complicou quando Kimi passou a se habituar ao estilo de se trabalhar na Ferrari, completamente diferente da McLaren, onde esteve por cinco anos.

Massa consegue ser tão ou mais rápido que Raikkonen nas classificações. O problema é o ritmo de corrida, quando Kimi se mostra superior. É o que diferencia na F1 hoje. Ser rápido o tempo todo e não em escassas voltas. Schumacher era assim. Alonso e Raikkonen são assim. Se o finlandês conseguiu ser campeão na Ferrari em seu ano de estréia, a tendência é ele ser ainda mais forte em 2008. A tarefa de Massa não será fácil.

Mas não impossível. Depois de tudo que aconteceu esse ano, essa palavra deveria ser abolida do dicionário da F1. Massa terá que se impor desde o início do ano para mostrar dentro de sua equipe que pode ser tão bom quanto Raikkonen. Caso não consiga, correrá o risco de ser um bom segundo piloto, como era Barrichello. E o Brasil continuará buscando o seu novo “messias".

Otto Jenkel trabalhou no FOCA TV, cobrindo o GP do Brasil, quando a prova era disputada no Rio. Acompanha Fórmula 1 desde meados da década de 70, "quando a F1 era perigosa e o sexo seguro, hoje inverteu". Escreve sobre Fórmula 1 às segundas-feiras.

Um comentário:

Denis disse...

Acompanho F1 mesmo sem ser um grande entendedor, mas gostei muito do texto.
Acredito mesmo que faltou talento mesmo para o tal messias chegar, oportunidades nossos pilotos tiveram, tirando um ou outro a maioria teve carros pelo menos medianos para poder mostrar serviço e conquistar seu espaço na F1.
Acho que o Massa ainda não é piloto pra ser campeão, ele parece inconstante, mas acredito que todo piloto e esportista em geral sempre possa evoluir.
Abraços!