Por Vitor Sérgio Rodrigues
Assim terminou a carreira da velocista americana Marion Jones, que, nesta segunda-feira, foi à sede do Comitê Olímpico Americano devolver suas cinco medalhas olímpicas conquistadas nos Jogos de Sydney em 2000 (três de ouro e duas de bronze). Depois de negar o inegável por quase quatro anos, Jones confessou em uma corte da Califórnia, na última sexta, que competiu dopada na Austrália, embora os testes antidoping não tenham pegado a farsante.
Ao ler essa notícia, depois da imensa tristeza, me veio à cabeça uma entrevista do monstro sagrado do esporte brasileiro, Joaquim Cruz, dada à repórter Isabela Scalabrini, da Rede Globo, há quase 20 anos. Eu, à época um moleque de 11 anos que lutava contra o sono nas madrugadas de setembro de 1988 para acompanhar minha primeira Olimpíada, em Seul, nunca me esqueci das palavras do indignado Joaquim, após a farsa Ben Johnson perder a medalha de ouro e o recorde mundial nos 100 metros rasos, por uso de esteróides anabolizantes. Disse ele: “Todos os atletas da elite do atletismo, dos principais países, se dopam. Não dá para negar”.
Nunca tinha pensado muito a respeito, mas hoje não tenho dúvidas de que essas palavras, somadas aos vários escândalos de doping de lá para cá, fizeram com que eu nunca me aproximasse de fato do atletismo. Que me perdoem os especialistas e os amantes do esporte, mas eu não consigo confiar que um recorde mundial batido é 100% genuíno.
Não consigo tirar a pulga de trás da orelha se estou sendo enganado ao sentar em uma poltrona para ver um Mundial de Atletismo ou uma Olimpíada. Como bem lembrou o amigo André Henning, no programa Jogando em Casa, da TV Esporte Interativo, qualquer um poderia processar a Marion Jones por ter sido feito de palhaço por ela, ao assistir, noticiar ou adquirir um produto que levava o seu rosto. Tudo construído em cima de mentiras.
Nesse ponto, vale a pena discutir qual a responsabilidade da cultura americana nessa “política de doping”. Está claro, pelo menos para mim, que a extrema competitividade no país permitiu durante muito tempo que os limites da ética esportiva fossem alargados. Um exemplo disso é Carl Lewis, que sempre considerei um mito. Até que, no início desta década, um ex-diretor do Comitê Olímpico Americano revelou que Lewis e outros atletas tiveram exames antidoping positivos escondidos pelo comitê durante as seletivas para Seul-1988 (aquela em que Ben Johnson perdeu seu ouro por doping).
A lista de situações como essa nos Estados Unidos são imensas. A começar por Florence Griffith-Joyner, até hoje dona dos recordes mundiais dos 100m e dos 200m rasos, registrados em 1988. A aposentadoria precoce, logo após as três medalhas de ouro em Seul, e sua morte de causas naturais sem explicação, segundo o próprio legista, aos 38 anos, só deixaram claro que ela se dopou em algum momento de sua carreira. O recorde dos 100m, registrado em uma seletiva para Seul, dois meses antes dos Jogos, é espantoso: 10s49. A melhor marca de outra atleta é de Marion Jones (!), em 1998, com 10s65.
Recentemente, tivemos também o caso de Justin Gatlin, medalha de ouro nos 100m em Atenas-2004, pego dopado em 2005. E o histórico nos esportes profissionais é mais alarmante ainda. No beisebol, a impressão que temos é de permissividade total com o doping. Há pouco mais de dois meses, os Estados Unidos pararam para celebrar o recorde de “home runs” (rebatida para fora do campo de jogo, que significa ponto imediato para a equipe) de Barry Bonds, comprovadamente construído em cima do hormônio THG, criado pela laboratório Balco (do qual Marion Jones também foi pivô do escândalo em 2003).
Como uma vez me disse o competentíssimo professor Francisco Radler, coordenador do Ladetec, da UFRJ, único laboratório do Brasil reconhecido pela Agência Mundial Antidoping no Brasil, o doping é um mal que nunca vai terminar, pois sempre haverá alguém disposto a trapacear. O que não pode é ter um sistema agindo ou fazendo vista grossa para isso, como parece ocorrer nos Estados Unidos e ocorreria, sem sombra de dúvidas, nas ex-repúblicas socialistas.
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Ao ler essa notícia, depois da imensa tristeza, me veio à cabeça uma entrevista do monstro sagrado do esporte brasileiro, Joaquim Cruz, dada à repórter Isabela Scalabrini, da Rede Globo, há quase 20 anos. Eu, à época um moleque de 11 anos que lutava contra o sono nas madrugadas de setembro de 1988 para acompanhar minha primeira Olimpíada, em Seul, nunca me esqueci das palavras do indignado Joaquim, após a farsa Ben Johnson perder a medalha de ouro e o recorde mundial nos 100 metros rasos, por uso de esteróides anabolizantes. Disse ele: “Todos os atletas da elite do atletismo, dos principais países, se dopam. Não dá para negar”.
Nunca tinha pensado muito a respeito, mas hoje não tenho dúvidas de que essas palavras, somadas aos vários escândalos de doping de lá para cá, fizeram com que eu nunca me aproximasse de fato do atletismo. Que me perdoem os especialistas e os amantes do esporte, mas eu não consigo confiar que um recorde mundial batido é 100% genuíno.
Não consigo tirar a pulga de trás da orelha se estou sendo enganado ao sentar em uma poltrona para ver um Mundial de Atletismo ou uma Olimpíada. Como bem lembrou o amigo André Henning, no programa Jogando em Casa, da TV Esporte Interativo, qualquer um poderia processar a Marion Jones por ter sido feito de palhaço por ela, ao assistir, noticiar ou adquirir um produto que levava o seu rosto. Tudo construído em cima de mentiras.
Nesse ponto, vale a pena discutir qual a responsabilidade da cultura americana nessa “política de doping”. Está claro, pelo menos para mim, que a extrema competitividade no país permitiu durante muito tempo que os limites da ética esportiva fossem alargados. Um exemplo disso é Carl Lewis, que sempre considerei um mito. Até que, no início desta década, um ex-diretor do Comitê Olímpico Americano revelou que Lewis e outros atletas tiveram exames antidoping positivos escondidos pelo comitê durante as seletivas para Seul-1988 (aquela em que Ben Johnson perdeu seu ouro por doping).
A lista de situações como essa nos Estados Unidos são imensas. A começar por Florence Griffith-Joyner, até hoje dona dos recordes mundiais dos 100m e dos 200m rasos, registrados em 1988. A aposentadoria precoce, logo após as três medalhas de ouro em Seul, e sua morte de causas naturais sem explicação, segundo o próprio legista, aos 38 anos, só deixaram claro que ela se dopou em algum momento de sua carreira. O recorde dos 100m, registrado em uma seletiva para Seul, dois meses antes dos Jogos, é espantoso: 10s49. A melhor marca de outra atleta é de Marion Jones (!), em 1998, com 10s65.
Recentemente, tivemos também o caso de Justin Gatlin, medalha de ouro nos 100m em Atenas-2004, pego dopado em 2005. E o histórico nos esportes profissionais é mais alarmante ainda. No beisebol, a impressão que temos é de permissividade total com o doping. Há pouco mais de dois meses, os Estados Unidos pararam para celebrar o recorde de “home runs” (rebatida para fora do campo de jogo, que significa ponto imediato para a equipe) de Barry Bonds, comprovadamente construído em cima do hormônio THG, criado pela laboratório Balco (do qual Marion Jones também foi pivô do escândalo em 2003).
Como uma vez me disse o competentíssimo professor Francisco Radler, coordenador do Ladetec, da UFRJ, único laboratório do Brasil reconhecido pela Agência Mundial Antidoping no Brasil, o doping é um mal que nunca vai terminar, pois sempre haverá alguém disposto a trapacear. O que não pode é ter um sistema agindo ou fazendo vista grossa para isso, como parece ocorrer nos Estados Unidos e ocorreria, sem sombra de dúvidas, nas ex-repúblicas socialistas.
Já que o assunto é a Olimpíada de 1988, vale uma curiosidade. O brasileiro Robson Caetano foi bronze nos 200m rasos. O vencedor, Joe DeLoach (EUA), e Carl Lewis estavam entre os pegos no tal doping encoberto na seletiva americana. Por justiça, o brasileiro deveria ter sido o campeão olímpico.
Vitor Sérgio Rodrigues lamenta pelas obscuras
noites em claro. Trabalhou no Jornal dos Sports,
Diário Lance, por onde cobriu as Olimpíadas de Atenas, e Globoesporte.com. Hoje, é comentarista da TV Esporte Interativo. Escreve para o Por Esporte às terças-feiras.
noites em claro. Trabalhou no Jornal dos Sports,
Diário Lance, por onde cobriu as Olimpíadas de Atenas, e Globoesporte.com. Hoje, é comentarista da TV Esporte Interativo. Escreve para o Por Esporte às terças-feiras.
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