Nossos sonhos são como crianças pequenas: alimentados corretamente, crescem de maneira encantadora...
Quando Dico era criança, não existia televisão. Pouco importava. Dico não queria saber de nada além do Maracanã. O “Maior do Mundo” era grande. De uma grandeza inimaginável para quem não fosse do Rio de Janeiro. Mas, naquele dia especial, de decisão de Copa, a imaginação era fértil em Três Corações.
O coração de Dico, miudinho que só, batia forte.
De vez em quando, ele, atualmente chamado de Rei, fecha os olhos e consegue ver Zizinho driblando três marcadores, marcando o gol de empate contra o Uruguai e correndo para a multidão do Maracanã. “É nossa. A Copa é nossa”.
Aquela Copa foi uruguaia. De lá para cá, muita coisa mudou. Dico cresceu, virou Pelé. Em 50, após a derrota pelo rádio, então com dez anos, ele prometeu ao pai, o jogador de futebol Dondinho:
“Eu ainda vou ganhar uma Copa”.
Dico danado. Ganhou três.
Dico é artista, mas não usa pincel. É a bola seu instrumento. E depois de tantas obras-primas que fariam Picasso desenhar um círculo, no gol mais importante de sua vida - mil vezes Dico! - no mesmo Maracanã de infância, ele pediu atenção especial às criancinhas do Brasil. Alguns adultos o chamaram de hipócrita.
Uma geração depois, nasceu outro menino que viraria herói. Ele não chutava bola. Aos quatro anos, ganhou um carrinho do pai, Milton da Silva. Não era um carrinho comum. Era um carrinho de corrida, quase de verdade. “K-a-r-t”, ensinava-lhe a mãe, soletrando a palavrinha complicada.
Mas para Ayrton, nada era mais descomplicado que a velocidade. Nas pistas, ele ganhou três títulos mundiais na Fórmula 1. Ganhou fãs. Ganhou até uma musiquinha da vitória que fez muita criança chorar, inclusive essa que escreve. A história ganhou um mito: Senna.
Muito moleque já sonhou ser Ayrton Senna. Ele sonhava ajudar moleques pelo país. Papai do Céu levou Senna. Ficou o sonho, que virou realidade. Desde a fundação, em 1994, o Instituto Ayrton Senna transformou a vida de 7.896.146 crianças.
Incrível como as histórias reais conseguem ser mais fantásticas que os contos de fadas.
Antes de Dico e Ayrton, teve Adhemar.
E se Dico fazia gols em Bauru e Ayrton pilotava carrinhos por aí, Adhemar não podia sonhar. A rima existe. E é triste. Mas acreditem: o final, como toda grande história, vai ter um final feliz!
Adhemar teve uma infância parecida com a da maioria das crianças brasileiras. Ou seja, não teve infância. De família pobre, ajudava o pai, ferroviário.
Quase por acaso, começou no salto triplo em 1945, aos 18 anos. Lembrem: o acaso, amiguinhos, é o tempero da vida. Adhemar, que tinha mamãe cozinheira, sabia bem disso.
Na Olimpíada de Londres, em 1948, ficou em 14º lugar. Continuou tentando. Valeu a pena. Em Helsinque, 52, foi campeão olímpico batendo quatro vezes o recorde mundial, elevado para a marca de 16,22 metros. O povo daquele lugar ficou eufórico. Adhemar correu ao redor do estádio para agradecer. Dizem que ele inventou a volta olímpica.
A história de Adhemar Ferreira da Silva, um dos maiores heróis do Brasil, não acabou na Finlândia. Em 1956, ele conquistou o bicampeonato olímpico em Melbourne, na Austrália.
Morreu mais que bicampeão das Olimpíadas. Formou-se em Direito, Belas Artes, Relações Públicas e Educação Física. Falava várias línguas. E foi adido cultural do Brasil na Nigéria.
Adhemar, adulto, realizou sonhos, mas não viveu a própria infância. Apenas a viu passar. Quis o acaso, sempre ele, que nos dias de hoje em São Paulo, no Parque Estadual Fontes do Ipiranga, exista o complexo esportivo Adhemar Ferreira da Silva. O objetivo: ajudar crianças e adolescentes sem oportunidades. Esporte possibilitando educação. E criando cidadania.
Quer mais uma do acaso? No Parque Estadual Fontes do Ipiranga, funcionava a antiga FEBEM, desativada em 1999.
Na FEBEM, os internos, de 13, 14 anos a maioria, eram privados de direitos básicos e fundamentais previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente.
Se a Fundação Estadual do Bem Estar do Menor acabou, as brutalidades contra as crianças no país continuam. Em vários aspectos.
Em 2004, o atual governo lançou o projeto “Um Mundo para as Crianças” com investimentos orçados em R$ 61,5 bilhões. Conjunto de metas para melhorar as condições de vida das crianças brasileiras.
Dados oficiais e relatórios da ONU sugerem avanços significativos. A realidade não é tão otimista.
O Brasil continua esbanjando números vergonhosos quando analisamos mortalidade infantil (33,6 crianças em cada 100.000 nascidas vivas), mortalidade materna (58,5 gestantes em cada 100.000 partos) e desnutrição (5,7% das crianças), por exemplo.
A educação no país é precária, mas, como podemos ver, muitas crianças sequer chegam à fase de alfabetização.
Vou contar uma coisa que a sociedade da qual fazemos parte pode desconhecer: nossos heróis nascem crianças.
Sonhar como fez Pelé e desafiar o que parece impossível como Adhemar é dever de todos. E quem tem condições de ajudar, pelo menos um pouquinho, como fez Senna, pode ajudar. É dever também.
Mais uma vez o esporte dá belos exemplos.
E o tempo, herói da razão, nos dá outro. Com ele, o tempo, algumas pessoas nunca deixam de ser crianças. Outras, ao longo do caminho, envelhecem e perdem o que a vida tem de melhor.
domingo, 14 de outubro de 2007
Contos de fadas e de crianças
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