domingo, 28 de outubro de 2007

O fim do culto aos jogadores

Serginho, do São Caetano: nem a morte respeita mais o jogador (foto: Folha Imagem)

Por Odisseu Kapyn

Há dois anos fiquei impressionado com a morte de um jogador de futebol. Nem lembro mais quem é esse cara. Nem devia ser craque. O que me impressionou, na verdade, foi o fato de o cara ter morrido em campo. O sujeito estava lá, batendo uma bola, quando, de repente, caiu e morreu. A verdadeira morte súbita. Isso me motivou a escrever um texto para o site Cocadaboa, falando desse desrespeito divino em relação ao jogador de futebol. O tempo passou e eis que leio outros casos de jogadores que batem as botas (ou as chuteiras, como queiram) em pleno estádio, indo comer gramado pela raiz. Dei uma olhada no meu texto e vi que ele ainda estava atual.

Achei que seria importante dividir meus profundos pensamentos sobre o assunto aqui com os leitores do Por Esporte. Ainda mais porque estou meio sem tempo de escrever algo novo esta semana (é, vamos ser sinceros, pois corre um boato aí que Deus se amarra em atos verdadeiros, e quero ficar bem com o onipotente, já que também jogo minhas peladas e quero ser poupado). No entanto, para não meter um simples replay aqui neste site, editei o artigo, para ficar mais rápido de ler (há outro boato que diz que fã de esporte não gosta de perder muito tempo lendo no domingo, pois tem muito programa esportivo na TV). Aí vai. Mata no peito e manda ver:

“Tenho a impressão de que se formos vasculhar bem o livro do Apocalipse na Bíblia, ou as profecias de Nostradamus, vamos encontrar alguma dica de que o final dos tempos se dará quando os jogadores de futebol forem considerados gente comum. Só isso explica o que está acontecendo hoje em dia com o tratamento que estão recebendo nossos craques: estamos próximos do fim do mundo.

Antigamente, era comum ouvir histórias de jogadores de futebol contando, orgulhosos, que estavam sendo assaltados quando, de repente, o bandido o reconheceu, pediu desculpas e devolveu o que estava levando. Os caras eram mais respeitados do que o presidente da república. Não importa para que time estavam jogando, cidadãos comuns respeitavam os sujeitos como se fossem heróis. Afinal, ele realmente carregava certa dose de heroísmo, sendo geralmente um homem que saiu da pobreza para ganhar um lugar de destaque entre gente importante. Era o representante da classe pobre ou da classe média entre os ricaços. Nosso vingador. Nada mais natural que seus bens materiais fossem intocáveis, até para os assaltantes.

Mas, de alguns anos para cá, estamos vendo essa história mudar. Vemos muitas notícias de jogador de futebol que teve seu carrão levado ou sua mansão invadida. E não foi só bandido que quebrou o tabu de afanar as coisas dos craques. Até celebridades estariam dando a volta nos atletas, como afirmavam rumores de que Pedro Bial bateu uma bola com Suzana Werner, noiva de Ronaldinho na época da Copa de 1998.

Nem a Justiça está mais respeitando os jogadores, pois Edmundo chegou a ser condenado por atropelar e matar umas pessoas sem tanta importância no mundo (incapazes de fazer mais de 50 embaixadinhas). A coisa ficou ainda mais incrível quando passaram a seqüestrar mães de jogadores! Onde já se viu? Isso não se faz nem com mães de juízes de futebol, que já estão sempre preparadas para o pior.

Como isso aconteceu? Quando foi que nossos homens de ouro deixaram de ser intocáveis?

Suspeito que foram eles mesmos que abriram mão de seus superpoderes. Foi quando deixaram de se portar como heróis e passaram a agir como estrelas. Quando nos demos conta, nossos craques estavam andando em carrões de astros de cinema, morando em palácios dignos de políticos corruptos, usando chuteiras douradas e pegando mulheres já famosas. Temos jogadores de futebol participando de reality-shows, posando pelados, se envolvendo em escândalos... Não tivemos outra escolha senão cassar a imunidade que lhes conferimos no passado.

Jogamos criptonitas nos nossos super-heróis. Eles agora serão presos, serão assaltados, serão ridicularizados em programas de TV, serão corneados, terão suas mães seqüestradas, terão nomes profissionais feios (compostos de nome e sobrenome em vez de um apelido carismático), suas roupas sairão de moda e passarão a sofrer efeitos das drogas que tomarem.

Às vezes, eles até vão em cana dentro de campo, onde pensávamos vigorar apenas as regras de futebol, nas quais a penalidade máxima era cobrada com um chute ao gol sem barreira dentro da grande área. Não lembram do jogo entre Quilmes e São Paulo, quando o argentino Desábato foi preso por chamar um de nossos craques de “negro”? Justamente o Grafite, que tem apelido aludindo à cor de sua pele. Se bobear, foi o Grafite que começou com a provocação, chamando Desábato de argentino, mas isso não vem ao caso.

Esse caso também revela outra indicação da fragilidade dos outrora monstros sagrados da sociedade: o preconceito racial. Há mesmo algo de muito estranho acontecendo quando nem o dinheiro ou o talento de uma pessoa consegue encobrir a cor de sua pele diante de quem padece do mal do racismo. E agora o absurdo maior: nem mesmo a Morte respeita mais os jogadores de futebol, levando-os embora no meio da partida. Sejamos bem-vindos ao fim dos tempos. Mas será que vai ter prorrogação?”

Odisseu Kapyn perdeu a noção do perigo. Ganhou fama no Cocadaboa. Hoje, escreve na Revista M e no blog Humor Marrom, e apresenta o Ponto Cômicos, grupo de comédia stand-up em cartaz na Casa da Piada, em Copacabana. Faz suas gracinhas aqui aos domingos.

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