Por Vitor Sérgio Rodrigues
O ano era 1991. Um caipira de Gulfport, no Mississippi, chamado Brett Favre (pronuncia-se Farv), foi escolhido pelo Atlanta Falcons na segunda rodada do recrutamento universitário da NFL, a Liga Profissional de Futebol Americano. Para o técnico do time, Jerry Glanville, o “pick” foi um desperdício. O treinador foi contra, mas a diretoria do time resolveu investir no quarterback, o cérebro de um time de futebol americano.
No primeiro treino da pré-temporada, a imprensa em polvorosa pela chegada de Favre, foi perguntar a Glanville como o treinador usaria o jogador. A resposta foi devastadora: “Seria necessário uma queda de avião para eu colocá-lo para jogar”. O avião do time nunca caiu, mas Favre, depois de muito esperar, conseguiu uma vaguinha. No seu primeiro passe para um companheiro, a bola foi interceptada por um defensor rival, que disparou e marcou o touchdown. No geral, a carreira dele no Falcons se resumiu a dois jogos, quatro passes tentados e nenhum completado, sendo que dois foram interceptados.
Parecia claro que Glanville estava certo: a escolha de Favre tinha sido um desperdício. Para quase todo mundo na NFL, menos para o velho lobo (sem trocadilho) da Liga, Ron Wolf, gerente geral do Green Bay Packers, que foi até Atlanta negociar o jogador. No ano anterior, Wolf já queria contar com Favre, mas o Falcons escolheu o jogador um pick antes do Packers.
Negociação feita, mais um obstáculo: segundo os médicos, ele tinha osteonecrose, uma doença resultante da perda provisória ou permanente da fonte de sangue nos ossos. Ela pode, em casos extremos, causar a morte do tecido ósseo, e assim deixar os ossos muito frágeis. Imaginem um jogador de futebol americano, ainda por cima quarterback, que sofre mais contato dos rivais do que a média, com ossos de vidro? Os médicos vetaram a contratação do jogador, mas Wolf contrariou o laudo e fechou o negócio.
Agora vamos dar um salto 15 anos no tempo. De 1992 para 2007. Mais especificamente no último domingo, em Minneapolis, quando, a cinco minutos do fim do primeiro quarto do jogo entre o Green Bay Packers e o Minnesota Vikings, o “desperdício” deu mais um passe. Não um passe comum. Um passe para a história. Com a recepção de Greg Jennings na área inimiga, Favre conseguiu seu 421º passe para touchdown, ultrapassando no quesito (talvez o mais importante do futebol americano) o lendário Dan Marino, que brilhou por duas décadas no Miami Dolphins.
Além do recorde, Favre vem levando o Green Bay Packers a uma campanha perfeita até aqui, com quatro vitórias em quatro jogos. No melhor de sua forma, fazendo a diferença na Liga, prestes a completar 38 anos (no próximo dia 10). E isso depois de passar toda a pré-temporada especulando se devia ou não se aposentar, terminando uma carreira espetacular de 16 anos, recheada de recordes, prêmios (o único da história a ser eleito o melhor do campeonato três vezes seguidas), convocações para o Pro-Bowl (o All-Star Game da NFL), duas viagens ao Super Bowl (final da Liga), coroada com o título de 1996, que o Green Bay não vencia desde 1967. E sem ficar fora de uma partida por lesão por 241 jogos seguidos (um verdadeiro milagre para um quarterback).
Mas não é só a habilidade que faz de Favre um ídolo em todos os Estados Unidos. Uma espécie de unanimidade nacional. O jeito caipira e boa praça faz do cara ídolo até mesmo de rivais. Por isso, já faz pontas em séries e filmes, o mais famosos deles “Quem vai ficar com Mary”, quando faz o papel de “namorado ideal” de Cameron Diaz. E a capacidade de Favre para superar obstáculos faz dele a lenda em que se transformou em terra yankee.
A “grande capacidade de avaliação” de Glanville e a osteonecrose foram só algumas barreiras que ele superou. Em 1990, antes de começar seu último ano como quarteback da Universidade de Southern Mississippi, Favre sofreu um grave acidente de carro, que capotou três vezes antes de bater em uma árvore. Ele teve 70 centímetros de seu intestino removido, mas seis semanas depois estava em campo levando sua equipe a uma vitória épica contra Alabama.
Ao longo de sua carreira, seu cunhado morreu em um grave acidente de carro, sua mulher, Deanne, descobriu e se curou de um câncer no seio (depois ela e Favre criaram uma instituição de prevenção e cura da doença), a casa de sua família foi devastada pelo Furacão Katrina (ele ajudou a reconstruir sua cidade) e teve que sofrer algumas artroscopias no joelho e no tornozelo. Tudo isso enfrentado e vencido sem se afastar de sua paixão, o futebol americano. Mas a maior prova de sua grandeza foi dada na segunda-feira, dia 22 de dezembro de 2003.
No dia anterior, Favre recebeu a ligação de que o carro de seu pai foi encontrado fora da estrada em Kiln, Mississippi (região próxima de onde Favre sofreu seu acidente). Um guarda achou seu pai desacordado no veículo. Irvin Favre chegou morto ao hospital. Foi diagnosticado que ele sofreu um ataque cardíaco ao volante.
Na dor dos preparativos para enterrar seu pai e mentor (Irvin foi técnico do filho na escola secundária e faz ele atuar períodos em cada posição para ler melhor o jogo), Favre não teve dúvidas e anunciou que enfrentaria o Oakland Raiders no dia seguinte. E acabou com o jogo. Quatro passes para touchdowns e 399 jardas lançadas na vitória pro 41 a 7 de sua equipe lhe renderam o prêmio de melhor jogador da semana. Durante a partida, as câmeras fecharam em seu rosto algumas vezes e parecia que ele chorava por baixo do capacete. Após o jogo, aos prantos, disse: “Meu pai iria querer que eu jogasse. Tenho certeza que ele viu esse jogo”.
Uma história como essa, consegue reduzir o importantíssimo recorde atingido por Favre no último domingo a algo sem importância. Fica claro que Favre, mesmo sem recorde, prêmio ou título, é um herói por excelência.
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No primeiro treino da pré-temporada, a imprensa em polvorosa pela chegada de Favre, foi perguntar a Glanville como o treinador usaria o jogador. A resposta foi devastadora: “Seria necessário uma queda de avião para eu colocá-lo para jogar”. O avião do time nunca caiu, mas Favre, depois de muito esperar, conseguiu uma vaguinha. No seu primeiro passe para um companheiro, a bola foi interceptada por um defensor rival, que disparou e marcou o touchdown. No geral, a carreira dele no Falcons se resumiu a dois jogos, quatro passes tentados e nenhum completado, sendo que dois foram interceptados.
Parecia claro que Glanville estava certo: a escolha de Favre tinha sido um desperdício. Para quase todo mundo na NFL, menos para o velho lobo (sem trocadilho) da Liga, Ron Wolf, gerente geral do Green Bay Packers, que foi até Atlanta negociar o jogador. No ano anterior, Wolf já queria contar com Favre, mas o Falcons escolheu o jogador um pick antes do Packers.
Negociação feita, mais um obstáculo: segundo os médicos, ele tinha osteonecrose, uma doença resultante da perda provisória ou permanente da fonte de sangue nos ossos. Ela pode, em casos extremos, causar a morte do tecido ósseo, e assim deixar os ossos muito frágeis. Imaginem um jogador de futebol americano, ainda por cima quarterback, que sofre mais contato dos rivais do que a média, com ossos de vidro? Os médicos vetaram a contratação do jogador, mas Wolf contrariou o laudo e fechou o negócio.
Agora vamos dar um salto 15 anos no tempo. De 1992 para 2007. Mais especificamente no último domingo, em Minneapolis, quando, a cinco minutos do fim do primeiro quarto do jogo entre o Green Bay Packers e o Minnesota Vikings, o “desperdício” deu mais um passe. Não um passe comum. Um passe para a história. Com a recepção de Greg Jennings na área inimiga, Favre conseguiu seu 421º passe para touchdown, ultrapassando no quesito (talvez o mais importante do futebol americano) o lendário Dan Marino, que brilhou por duas décadas no Miami Dolphins.
Além do recorde, Favre vem levando o Green Bay Packers a uma campanha perfeita até aqui, com quatro vitórias em quatro jogos. No melhor de sua forma, fazendo a diferença na Liga, prestes a completar 38 anos (no próximo dia 10). E isso depois de passar toda a pré-temporada especulando se devia ou não se aposentar, terminando uma carreira espetacular de 16 anos, recheada de recordes, prêmios (o único da história a ser eleito o melhor do campeonato três vezes seguidas), convocações para o Pro-Bowl (o All-Star Game da NFL), duas viagens ao Super Bowl (final da Liga), coroada com o título de 1996, que o Green Bay não vencia desde 1967. E sem ficar fora de uma partida por lesão por 241 jogos seguidos (um verdadeiro milagre para um quarterback).
Mas não é só a habilidade que faz de Favre um ídolo em todos os Estados Unidos. Uma espécie de unanimidade nacional. O jeito caipira e boa praça faz do cara ídolo até mesmo de rivais. Por isso, já faz pontas em séries e filmes, o mais famosos deles “Quem vai ficar com Mary”, quando faz o papel de “namorado ideal” de Cameron Diaz. E a capacidade de Favre para superar obstáculos faz dele a lenda em que se transformou em terra yankee.
A “grande capacidade de avaliação” de Glanville e a osteonecrose foram só algumas barreiras que ele superou. Em 1990, antes de começar seu último ano como quarteback da Universidade de Southern Mississippi, Favre sofreu um grave acidente de carro, que capotou três vezes antes de bater em uma árvore. Ele teve 70 centímetros de seu intestino removido, mas seis semanas depois estava em campo levando sua equipe a uma vitória épica contra Alabama.
Ao longo de sua carreira, seu cunhado morreu em um grave acidente de carro, sua mulher, Deanne, descobriu e se curou de um câncer no seio (depois ela e Favre criaram uma instituição de prevenção e cura da doença), a casa de sua família foi devastada pelo Furacão Katrina (ele ajudou a reconstruir sua cidade) e teve que sofrer algumas artroscopias no joelho e no tornozelo. Tudo isso enfrentado e vencido sem se afastar de sua paixão, o futebol americano. Mas a maior prova de sua grandeza foi dada na segunda-feira, dia 22 de dezembro de 2003.
No dia anterior, Favre recebeu a ligação de que o carro de seu pai foi encontrado fora da estrada em Kiln, Mississippi (região próxima de onde Favre sofreu seu acidente). Um guarda achou seu pai desacordado no veículo. Irvin Favre chegou morto ao hospital. Foi diagnosticado que ele sofreu um ataque cardíaco ao volante.
Na dor dos preparativos para enterrar seu pai e mentor (Irvin foi técnico do filho na escola secundária e faz ele atuar períodos em cada posição para ler melhor o jogo), Favre não teve dúvidas e anunciou que enfrentaria o Oakland Raiders no dia seguinte. E acabou com o jogo. Quatro passes para touchdowns e 399 jardas lançadas na vitória pro 41 a 7 de sua equipe lhe renderam o prêmio de melhor jogador da semana. Durante a partida, as câmeras fecharam em seu rosto algumas vezes e parecia que ele chorava por baixo do capacete. Após o jogo, aos prantos, disse: “Meu pai iria querer que eu jogasse. Tenho certeza que ele viu esse jogo”.
Uma história como essa, consegue reduzir o importantíssimo recorde atingido por Favre no último domingo a algo sem importância. Fica claro que Favre, mesmo sem recorde, prêmio ou título, é um herói por excelência.
Ah, e só para constar, Jerry Glanville nunca passou de um técnico medíocre de futebol americano. Hoje, ele treina a inexpressiva Universidade de Portland State, que por sinal foi a primeira equipe que comandou.
Vitor Sérgio Rodrigues evita comparações com caipiras brasileiros. Trabalhou no Jornal dos Sports, Diário Lance, por onde cobriu as Olimpíadas de Atenas, e Globoesporte.com. Hoje, é comentarista da TV Esporte Interativo. Escreve para o Por Esporte às terças-feiras.
4 comentários:
Excelente texto, Vitor. Humanizou o ídolo.
Valeu Flávio. Elogio que vale muito, vindo de quem vem. Sobre o Favre, pela história do cara, merecia um texto bem cuidado.
Abraço,
Vitor Sergio
Muito bom, Vitor. Brett Favre é cracaço, mas é exatamente por isso que você comentou que ele é reconhecido. Aquele jogo pós-morte foi sensacional de fato. abs, parabéns e continue assim. Fábio Balassiano
Valeu Fábio Bala.
Você tem razão. Aquela partida foi algo sensacional. Obrigado pela audiência.
Abraço,
Vitor Sergio Rodrigues
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