Mortes durante as corridas eram comuns na F1 (foto: arquivo pessoal)
Otto Jenkel trabalhou no FOCA TV, cobrindo o GP do Brasil, quando a prova era disputada no Rio. Acompanha Fórmula 1 desde meados da década de 70, "quando a F1 era perigosa e o sexo seguro, hoje inverteu". Escreve sobre Fórmula 1 às segundas-feiras.
Por Otto Jenkel
Quando o tricampeão mundial de F1, Jackie Stewart, começou uma campanha a favor de maior segurança nas pistas, no final dos anos 60, um proprietário de circuito, preocupado com os gastos que isso iria causar, usou uma frase emblemática "Os pilotos de F1 já não morrem mais como antigamente". Por mais absurda que seja a declaração, ela refletia um pensamento muito comum na época, a de que os pilotos deveriam entender que o automobilismo era um esporte de alto risco, em que a morte deveria ser encarada normalmente.
De fato, o risco era enorme. Durante as décadas de 60 e 70, 42 pilotos de F1 morreram nas pistas, em diversas categorias, sendo a metade na própria F1. Os pilotos eram vistos como gladiadores. A morte, inevitável.
Lembrei de tudo isso por ocasião do GP da Bélgica último, mais precisamente quando Alonso passou Hamilton na Eau Rouge. Foi uma manobra genial, sem dúvida, mas ela seria possível um tempo atrás? Antigamente, um erro numa ultrapassagem custava ao piloto, muitas vezes, a própria vida. Em 1985, por exemplo, numa corrida de esporte protótipo, o promissor Stefan Bellof morreu na mesma Eau Rouge, numa manobra parecida com a de Alonso, quando tentava passar Jacky Ickx.
O que teria acontecido se Alonso e Hamilton tivessem se chocado? Depois da pancada que Robert Kubica deu em Montreal, e saiu ileso, é difícil acreditar que a F1 ainda mata. Claro, o risco ainda está lá, mas o que importa é que estamos há 13 anos sem um acidente fatal, desde o fatídico 1º de maio de 1994, de triste lembrança. Alonso, para os padrões da F1 atual, fez uma ultrapassagem muito arriscada, mas ainda dentro de uma margem de segurança.
Segurança que era precária na maioria das pistas antigas e no qual um dos maiores exemplos é justamente Spa Francorchamps. A pista flamenga tinha, até 1970, 14 quilômetros de extensão, o dobro do circuito atual. Na verdade, circuito era modo de dizer. Eram aproveitados trechos de estradas cercadas de casas e precipícios, ligando as cidades de Spa, Francorchamps, Malmedy e Stavelot.
Para se ter uma idéia do que era essa pista, nada melhor do que assistir ao filme Grand Prix, de John Frankenheimer, de 1966, que é o melhor documento em video mostrando o que era a F1 dessa época. Vendo o filme, você chega à seguinte conclusão: não é que a segurança era precária. Ela simplesmente não existia.
A corrida de 1960, em Spa, é o maior exemplo disso. A equipe Lotus levou cinco carros para seus pilotos: Jim Clark, Stirling Moss, Alan Stacey , Innes Ireland e Mike Taylor. Nos treinos, Moss perdeu uma roda, seu carro foi atirado contra um barranco e ele quebrou as duas pernas. Taylor também bateu forte e o carro ficou inutilizado. Alinharam, portanto, três Lotus para a corrida.
Logo no início, Ireland sofreu um acidente, mas saiu ileso. Restavam Clark e Stacey. Na 24ª volta, veio a tragédia. Um pássaro atingiu em cheio, a 220 km/h, a cabeça de Stacey, que morreu na hora. Até então, o capacete era aberto no rosto, com uma máscara para proteger os olhos. Não foi o único acidente fatal do dia. Um pouco antes, Chris Bristow, da Cooper, havia perdido a vida numa disputa de posição com Willy Mairesse. Só Clark conseguiu levar uma Lotus ao final da prova. Outros tempos.
A preocupação de Stewart com segurança começou depois de um acidente em Spa, em 1966, em que ele ficou preso dentro de seu BRM destruído, enquanto o combustível vasava. A corrida continuou, o que era comum, enquanto alguns fiscais e até pilotos buscavam tirar o escocês do carro. Depois de mais de meia hora, ele foi retirado. Uma simples faísca e tudo terminaria para Stewart; não havia um único extintor nas proximidades. Definitivamente, os tempos eram outros, os pilotos também.
Hoje, um piloto pode errar à vontade, porque sabe que existem áreas de escape e caixas de brita em exagero. O risco praticamente sumiu. A manobra de Alonso é celebrada com justiça, porque foge da regra e assustou muita gente. Nada comparável com o passado, contudo. Os pilotos eram heróis. Eu me lembro que tinha lá meus 13 anos, quando fui ao hotel onde estavam hospedados os pilotos de F1, por ocasião do GP do Brasil de 1982, no Rio. Meu ídolo era Gilles Villeneuve.
Quando o vi, parecia adivinhar que ele não duraria muito. Na época, a F1 era tão perigosa que um piloto como Villeneuve, que arriscava demais e não ligava a mínima para segurança, não poderia viver muito tempo. Não viveu. Pouco mais de um mês depois, morreria na pista de Zolder. Guardo até hoje seu autógrafo como se fosse um troféu.
Zolder foi justamente a pista que veio a substituir a antiga Spa quando esta foi alijada do calendário da F1 por falta de segurança. Curiosamente, após a morte de Villeneuve, ocorreu o inverso. Zolder foi considerada maldita e Spa voltou ao calendário reformada. Sobre a antiga Spa, a melhor definição é do próprio Jackie Stewart: "O piloto que afirma que dá 100% em uma volta em Spa, mente. Isso é impossível". E era mesmo.
De fato, o risco era enorme. Durante as décadas de 60 e 70, 42 pilotos de F1 morreram nas pistas, em diversas categorias, sendo a metade na própria F1. Os pilotos eram vistos como gladiadores. A morte, inevitável.
Lembrei de tudo isso por ocasião do GP da Bélgica último, mais precisamente quando Alonso passou Hamilton na Eau Rouge. Foi uma manobra genial, sem dúvida, mas ela seria possível um tempo atrás? Antigamente, um erro numa ultrapassagem custava ao piloto, muitas vezes, a própria vida. Em 1985, por exemplo, numa corrida de esporte protótipo, o promissor Stefan Bellof morreu na mesma Eau Rouge, numa manobra parecida com a de Alonso, quando tentava passar Jacky Ickx.
O que teria acontecido se Alonso e Hamilton tivessem se chocado? Depois da pancada que Robert Kubica deu em Montreal, e saiu ileso, é difícil acreditar que a F1 ainda mata. Claro, o risco ainda está lá, mas o que importa é que estamos há 13 anos sem um acidente fatal, desde o fatídico 1º de maio de 1994, de triste lembrança. Alonso, para os padrões da F1 atual, fez uma ultrapassagem muito arriscada, mas ainda dentro de uma margem de segurança.
Segurança que era precária na maioria das pistas antigas e no qual um dos maiores exemplos é justamente Spa Francorchamps. A pista flamenga tinha, até 1970, 14 quilômetros de extensão, o dobro do circuito atual. Na verdade, circuito era modo de dizer. Eram aproveitados trechos de estradas cercadas de casas e precipícios, ligando as cidades de Spa, Francorchamps, Malmedy e Stavelot.
Para se ter uma idéia do que era essa pista, nada melhor do que assistir ao filme Grand Prix, de John Frankenheimer, de 1966, que é o melhor documento em video mostrando o que era a F1 dessa época. Vendo o filme, você chega à seguinte conclusão: não é que a segurança era precária. Ela simplesmente não existia.
A corrida de 1960, em Spa, é o maior exemplo disso. A equipe Lotus levou cinco carros para seus pilotos: Jim Clark, Stirling Moss, Alan Stacey , Innes Ireland e Mike Taylor. Nos treinos, Moss perdeu uma roda, seu carro foi atirado contra um barranco e ele quebrou as duas pernas. Taylor também bateu forte e o carro ficou inutilizado. Alinharam, portanto, três Lotus para a corrida.
Logo no início, Ireland sofreu um acidente, mas saiu ileso. Restavam Clark e Stacey. Na 24ª volta, veio a tragédia. Um pássaro atingiu em cheio, a 220 km/h, a cabeça de Stacey, que morreu na hora. Até então, o capacete era aberto no rosto, com uma máscara para proteger os olhos. Não foi o único acidente fatal do dia. Um pouco antes, Chris Bristow, da Cooper, havia perdido a vida numa disputa de posição com Willy Mairesse. Só Clark conseguiu levar uma Lotus ao final da prova. Outros tempos.
A preocupação de Stewart com segurança começou depois de um acidente em Spa, em 1966, em que ele ficou preso dentro de seu BRM destruído, enquanto o combustível vasava. A corrida continuou, o que era comum, enquanto alguns fiscais e até pilotos buscavam tirar o escocês do carro. Depois de mais de meia hora, ele foi retirado. Uma simples faísca e tudo terminaria para Stewart; não havia um único extintor nas proximidades. Definitivamente, os tempos eram outros, os pilotos também.
Hoje, um piloto pode errar à vontade, porque sabe que existem áreas de escape e caixas de brita em exagero. O risco praticamente sumiu. A manobra de Alonso é celebrada com justiça, porque foge da regra e assustou muita gente. Nada comparável com o passado, contudo. Os pilotos eram heróis. Eu me lembro que tinha lá meus 13 anos, quando fui ao hotel onde estavam hospedados os pilotos de F1, por ocasião do GP do Brasil de 1982, no Rio. Meu ídolo era Gilles Villeneuve.
Quando o vi, parecia adivinhar que ele não duraria muito. Na época, a F1 era tão perigosa que um piloto como Villeneuve, que arriscava demais e não ligava a mínima para segurança, não poderia viver muito tempo. Não viveu. Pouco mais de um mês depois, morreria na pista de Zolder. Guardo até hoje seu autógrafo como se fosse um troféu.
Zolder foi justamente a pista que veio a substituir a antiga Spa quando esta foi alijada do calendário da F1 por falta de segurança. Curiosamente, após a morte de Villeneuve, ocorreu o inverso. Zolder foi considerada maldita e Spa voltou ao calendário reformada. Sobre a antiga Spa, a melhor definição é do próprio Jackie Stewart: "O piloto que afirma que dá 100% em uma volta em Spa, mente. Isso é impossível". E era mesmo.
Otto Jenkel trabalhou no FOCA TV, cobrindo o GP do Brasil, quando a prova era disputada no Rio. Acompanha Fórmula 1 desde meados da década de 70, "quando a F1 era perigosa e o sexo seguro, hoje inverteu". Escreve sobre Fórmula 1 às segundas-feiras.
4 comentários:
Otto,
Parabéns pela coluna ! Muito boa, informativa e falando dos tempos aúreos da F1 onde o talento dos pilotos era muito mais importante do que os carros. Sugestão para as próximas colunas: você poderia escrever sobre grandes pilotos que não foram campeões mundiais como Gilles, Ronnie Peterson, Jack Icxx e Didier Pironi e tantos outros.....
Abraços,
Bruno Marzano
Otto, parabéns pela coluna!
Aquele dia do autógrafo do Villeneuve no hotel Nacional em Saõ Conrado, estavam conversando no saguão do hotel, ele e o Didier Pironi, com quem logo depois ele travaria um dos duelos mais trágicos da história da fórmula 1.
Um grande abraço,
do seu irmão.
Guilherme Jenkel
Caro colunista,
Sinto uma "inveja" produtiva, pois tua perseverança em buscar seus objetivos são louváveis. Mas a "inveja" acima é resultante de um profundo orgulho, pois nunca teria sua capacidade de criar suas colunas, nem teria sua capacidade cerebral de conhecimentos automobilisticos.
Posso garantir que sinto-me até um pouco realizado e recompensado com seu começo de sucesso.
Caro amigo,
Mas não fique achando que não vou te malhar só porque somos amigos de longa data (lembra das estatísticas e do bolão da Copa 86, etc)
Por enquanto ainda estou procurando as criticas mas por enquanto são impossíveis, pois tua coluna está perfeita, tanto didática quanto informativamente falando. Mas, 4º parágrafo, 5ª linha, "triste" lembrança... pura ironia. Vide e-mail
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