segunda-feira, 17 de setembro de 2007

Perigoso precedente

Raikkonen, com Alonso atrás, Massa e Hamilton por fora em Spa (foto: Autosport)

Por Otto Jenkel

Então a McLaren foi multada em 100 milhões de dólares e perdeu todos os pontos do Mundial de Construtores. Acabou sendo condenada, portanto. Será que foi mesmo? Alguém se lembra de um campeão de construtores? O que interessa, e sempre interessou na F1, é o Mundial de Pilotos. Tanto que só em 1958 começou a existir um título para as equipes, embora a F1 exista desde 1950. Seria uma espécie de prêmio de consolação para quem não ganhou o Mundial que realmente interessa. O deste ano, pelo andar da carruagem, está entre Lewis Hamilton e Fernando Alonso. É isso que vai constar nos livros. O piloto campeão de 2007 a bordo de um McLaren Mercedes. Então vamos mudar o script: a McLaren foi, na verdade, inocentada na última quinta-feira, em Paris.

Quando o site da revista inglesa Autosport anunciou, antes do comunicado oficial, que a equipe de Woking havia sofrido a pena máxima, ou seja, foi excluída não só da temporada de 2007 como também da de 2008, a surpresa foi geral. Todos imaginavam que o veredicto final seria mesmo o que foi confirmado mais tarde. Ninguém entendeu nada. A revista acabou retirando a afirmação cinco minutos após o anunciado. Uma tremenda pisada de bola? Corre o boato de que a primeira informação era essa, e que houve uma correria nos bastidores para tentar preservar a imagem da F1, e que uma pena mais branda, seria a melhor saída.

Vamos a um rápido resumo dos fatos. Nigel Stepney, gerente técnico da Ferrari, forneceu para Mike Coughlan, engenheiro-chefe da McLaren, um dossiê contendo mais de 700 páginas com documentos secretos da Ferrari. Coughlan foi denunciado pelo dono da copiadora onde foi feita a cópia e pego pela polícia com esses documentos em casa.

Na primeira audiência do Conselho Mundial da FIA, em 26 de julho, a McLaren foi considerada culpada, mas não foi punida, sob a alegação que não era possível determinar se ela se beneficiou desse dossiê. A Ferrari protestou e foi então marcada uma audiência na Corte de Apelações da FIA onde seriam ouvidas as duas partes. Nem foi preciso. Com o surgimento de novas evidências, uma troca de e-mails entre Fernando Alonso e Pedro De La Rosa, onde ficou claro que os pilotos também sabiam da espionagem, foi marcada uma nova reunião do Conselho Mundial, com o veredicto já citado aqui.

A FIA conseguiu criar agora um perigosíssimo precedente. Nunca na história da F1 houve um episódio de espionagem tão escandaloso. Mike Coughlan não era um membro qualquer da equipe, era simplesmente o engenheiro-chefe da McLaren. Se ele recebeu os documentos e não denunciou o "presente" para a FIA, é porque o usufruiu deles. Alguma dúvida?

Dentre os inúmeros documentos secretos, um era especial. O que mostrava os melhores acertos do pneu Bridgestone com o chassi da Ferrari e como melhorar seu desempenho. Segredos dos mais bem escondidos da F1. Explica-se: a Michelin retirou-se da F1 na temporada passada. Era esperado que tanto a Renault como a Mclaren, que usavam os pneus franceses há anos, tivessem muita dificuldade com os Bridgestone.

A Renault se perdeu completamente, a McLaren não. Pelo contrário. A Ferrari, que era favorita absoluta de 2007, por já possuir os pneus japoneses desde 1998, começou o ano bem superior, mas passou a ter a concorrência feroz da McLaren a partir de Mônaco, um pouco antes de Coughlan fazer a cópia do dossiê. Uma subida de performance extraordinária, inexplicável até então.

No meio de tantas evidências, a FIA perdeu a oportunidade de dar uma punição exemplar à McLaren e atingir o que realmente interessa, o Mundial de Pilotos. Pouco importa se Fernando Alonso e Lewis Hamilton foram os melhores pilotos do ano e que Felipe Massa e Kimi Raikkonen erraram demais e não mereciam o título. Até que ponto os pilotos da McLaren foram beneficiados pela espionagem? Não se sabe, mas não foi pouco. Se os carros ganharam velocidade através de meio ilícitos, via espionagem, os pilotos usufruíram dessa vantagem, não?

Com tantos interesses em jogo - McLaren, Mercedes, Vodafone, Inglaterra, Lewis Hamilton - o veredicto da Place de la Concorde (tem nome mais propício para o endereço da FIA?) não poderia ser outro. Aberto o precedente de 2007, a Guerra Fria está instalada na F1. E a espionagem, tolerada.

Notas do GP da Bélgica

- A convincente dobradinha da Ferrari em Spa, com Raikkonen e Massa, amenizou um pouco as decepções da equipe de Maranello, em Monza e Paris, nos últimos dias. Mas o Mundial de Pilotos continua difícil. Muito. Desta vez, a Mclaren não foi páreo para a Ferrari, mas, pela vantagem que os pilotos têm no Mundial, chegar em terceiro (Alonso) e quarto (Hamilton) está dentro do script.

- Apesar da Hamiltonmania, Alonso mostrou porque é o melhor piloto do mundo. Sua ultrapassagem na Eau Rouge, e logo sobre o inglês, vai entrar para a história como um dos momentos mais belos da F1 em todos os tempos. Valeu o ingresso - mas só para quem estava na Eau Rouge.

- Stefan Bellof, piloto alemão de enorme coragem, tentou passar Jacky Ickx na mesma curva, em uma corrida de protótipo em 1985. Arriscou tudo, e morreu. Ele pintava como o mais forte adversário de Ayrton Senna no futuro, ambos eram da mesma geração. Mas a morte chegou antes.

- Quatro vitórias para Raikkonen e Alonso, três para Massa e Hamilton. Que campeonato, hein? Mas corrida que é bom... Aliás, ou a FIA faz algo, ou a F1 vai virar receita para dormir.

- Se vencer em Fuji, Alonso será o novo líder, mesmo que Hamilton chegue em segundo. Eles empatam em pontos, mas o espanhol passa a ter duas vitórias a mais. Raikkonen, 13 pontos atrás, vai ter que torcer para os pilotos da Mclaren se enroscarem pelo menos uma vez. Na Eau Rouge, faltou pouco.

- Massa está fora. Tirar 20 pontos em 30 é impossível. E ainda tem Alonso e Raikkonen na frente. O brasileiro deve receber ordens para ajudar Raikkonen. É a única chance da Ferrari. Se eles fizerem dobradinha nas provas que restam, o campeonato vai embolar. Difícil é a Mclaren não ganhar mais e a Ferrari não quebrar nunca.

- Faltou a chuva...

- Já ia esquecendo. O título de Construtores é da Ferrari.

Otto Jenkel trabalhou no FOCA TV, cobrindo o GP do Brasil, quando a prova era disputada no Rio. Acompanha Fórmula 1 desde meados da década de 70, "quando a F1 era perigosa e o sexo seguro, hoje inverteu". Escreve sobre Fórmula 1 às segundas-feiras.

Um comentário:

Anônimo disse...

Realmente, pelo seu tópico claramente percebe-se que as informações de acertos com os pneus Bridgestone na Ferrari devem ter alavancado a perfomance das flechas prateadas. Realmente, um precedente perigosíssimo.

Abraços

Franklin Storry Jr.